top of page

​​“Se queres ser universal, começa
por pintar a tua aldeia.” – Liev Tolstói


Em sua primeira exposição solo, Felipe Ferreira objetiva a árdua e delicada missão de pintar uma atmosfera. Cuidadosamente seleciona, em seu oceano memorial, imagens que o estruturam, exibindo-as como um relicário cotidiano. Essas memórias imagéticas pintadas pelo artista compõem os cenários das cenas de infância, dos laços familiares e da densa névoa de nostalgia, com uma poderosa conexão com o espectador que imprime suas próprias histórias ao ler as obras.


A partir da sua formação como arquiteto, Ferreira maneja o espaço, em seus planos e perspectivas operadas, e dispõe cuidadosamente elementos arquitetônicos e mobiliários compondo essa saudosa memorabilia. Nos oferta fragmentos de casa, lapsos de memória, trechos de vivências. Ao reconstruir elementos caros à arquitetura paraense, como o piso multicolorido com cacos de diversas cerâmicas, a escápula de rede que balança o descanso após o almoço de domingo e a cadeira de macarrão na calçada, o artista aborda complexos temas da psicanálise e da teoria da imagem, como a memória sintomática a partir de fragmentos de imagens e a identificação autobiográfica que atravessa a dualidade autor-leitor.

 

Ferreira desvela, em suas pinturas, nossa própria intimidade, o que acontece dentro de casa, sem mesmo bater na porta. Partindo desse forte lirismo imagético, as pinturas versam, sobretudo, acerca da memória, como se escutássemos a Sonata ao Luar: transbordante e plácido ao mesmo tempo. Sem figuras humanas, ao optar por criar ou reproduzir suas atmosferas melancólicas, Ferreira faz com que os protagonistas das cenas, nunca pintados, materializem-se à frente do quadro: somos nós, os observadores, os habitantes destas memórias.


Mateus Nunes
Outubro de 2021

bottom of page