Bruno Costa
VÃO LIVRE
Bruno Costa
VÃO LIVRE
O morar em Cada Casa
Através das lembranças e vivências das moradias nas quais habitou e pelas quais simplesmente passou, Felipe Ferreira constrói imagens pintadas que nos apresentam, sem exotização, um morar brasileiro. O artista vive em Belém, mas traz em sua pintura a imagética alimentada por suas andança pelas diferentes regiões do interior do Pará. Atento às recorrências estéticas menos óbvias e às soluções construtivas das casas de classe média/média baixa do seu estado, Felipe Ferreira, arquiteto e urbanista de formação, produz imagens quase que arquetípicas de uma habitação popular brasileira.
Vasos com espadas de são jorge, cadeiras espaguete, vassouras escoradas no muro, pisos de cerâmica decorada, são alguns dos elementos icônicos evocativos de um modo de vida ainda pouco (bem) representado pelo mainstream audiovisual brasileiro. As novelas e filmes que apresentam a referida classe social sobre a qual o artista se debruça na sua pesquisa, acabam por exagerar na caracterização de um lar marcado pela profusão de estampas e objetos de cores saturadas, pendendo para uma caricatura da cultura material de grande parte da população do Brasil. Esse exagero cenográfico que beira a sátira, pode, através da reafirmação dessas imagens, produzir certa desumanização, transformando em bizarro gabinete de curiosidades as decisões estéticas de milhões de pessoas. Esse tipo de caracterização é notável sobretudo em filmes ou novelas que representam as regiões nordeste e norte do Brasil.
Felipe Ferreira não incorre neste equívoco. Na via contrária da decoração exuberante de um colorido carnavalesco, os cenários pintados pelo artista são sempre vazios, sem pessoas, e um tanto quanto melancólicos. A paleta acinzentada da série Cada Casa, limitada a poucos tons pastéis, conota um estado de solidão consonante com a escolha de enquadramentos verticalizados geralmente marcados por um “bloqueio” central, seja uma parede, uma grade ou uma janela que dá para um muro.
Os vazios presentes em todas as composições elaboradas pelo artista não são acasos compositivos displicentemente gerados. Estes funcionam como porta de entrada para as projeções do espectador, que percorrendo com o olhar os elementos visuais reconhecíveis pode aproximar-se afetivamente e respirar mentalmente, participando da prosaica cena de uma casa pintada.
Esta introspecção presente no trabalho de Felipe Ferreira produz uma suspensão no tempo que colabora para a criação de um denso retrato, dentre tantos outros possíveis, da rica e diversa realidade doméstica das casas populares brasileiras, e por consequência, das pessoas que nelas habitam.
Heitor Dutra
Setembro 2022